Comunhão parcial e concorrência sucessória |
ZENO
VELOSO
Jurista
Recebi mensagem pelo e-mail de um oficial reformado da Marinha,
que tem parentes em Belém e leu um exemplar do jornal O
Liberal, do dia 21/08/2010, que havia comprado em uma banca de Copacabana.
Ao ler meu artigo, sobre a concorrência sucessória do viúvo com os
filhos da falecida, o militar tomou um choque porque a minha opinião não
coincide com a que está sendo seguida no inventário e partilha da
mulher dele. Esse
oficial reformado casou-se com Theodora, de importante família de
Petrópolis, que era viúva e tinha dois filhos do leito anterior.
O casamento deu-se pelo regime da comunhão parcial de bens. A
mulher já era dona de dois apartamentos, havidos no inventário e
partilha dos bens do primeiro esposo. O novo marido não tinha imóvel
algum. Durante
o casamento, Theodora e o marido adquiriram dois apartamentos, um
em Petrópolis, outro na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Os
dois apartamentos dos quais a esposa era dona exclusiva, valem R$
600.000,00, cada um; quanto aos imóveis adquiridos durante o
casamento, o apartamento em Petrópolis vale R$ 500.000,00, e o
apartamento da Barra da Tijuca vale R$ 1.300.000,00. Com
o falecimento de Theodora, e considerando que ela foi casada sob o
regime da comunhão parcial e deixou bens particulares, o viúvo
tem direito de concorrer com os filhos da falecida, conforme o
artigo 1.829, inciso I, do Código Civil, e está acordado
inicialmente, no caso que estou relatando, que o viúvo é meeiro
dos dois apartamentos havidos onerosamente na constância do
casamento e ainda concorre com os filhos da defunta com relação a
todos os bens da herança, ou seja, a respeito dos dois imóveis
que eram de propriedade exclusiva da falecida (e não tinham entrado
na comunhão) e também quanto à metade que era dela nos dois
apartamentos que foram adquiridos durante o casamento. Seguindo-se
este entendimento, a meação do viúvo seria do valor de R$
900.000,00 e ele concorreria com os filhos da falecida a respeito
de toda a herança, ou seja, os dois apartamentos de propriedade
exclusiva da falecida e a meação que ela tinha nos dois outros
apartamentos (adquiridos por compra durante o casamento). Mas
eu concluí, no citado artigo publicado mês passado, que o viúvo,
numa situação dessas, concorre, sim, com os filhos do cônjuge
falecido, mas essa concorrência apenas de dá nos bens
particulares do falecido e não a respeito de toda a herança. Então,
a concorrência do oficial de Marinha com os filhos de Theodora somente
ocorre quanto aos dois apartamentos que a falecida havia adquirido
antes de suas segundas núpcias (bens particulares da mesma). Pela minha
ótica, pela minha conta e consoante a interpretação que dou ao
dispositivo legal que rege a matéria, o viúvo vai herdar muito
menos do que herdaria se a solução que está sendo dada no Rio de
Janeiro fosse a verdadeira. O Código Civil em vigor estabeleceu o princípio de que o cônjuge sobrevivente deve concorrer, em propriedade, com os descendentes, mas abre algumas exceções. Não há concorrência entre eles, por exemplo, se o regime de bens era o da comunhão parcial. Justifica-se
assim: se o cônjuge já é meeiro, não deve ser herdeiro. Mas o Código
abre a exceção da exceção: haverá concorrência no regime da
comunhão parcial, entre o cônjuge sobrevivente e os filhos do
falecido, se este deixou bens particulares. Bens particulares,
nesse regime da comunhão parcial, são, por exemplo, os bens que
cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância
do casamento, por doação ou sucessão. Como Theodora tinha bens particulares, havidos antes do casamento, de que era proprietária exclusiva, por força do artigo 1.829, inciso I, do Código Civil, o cônjuge sobrevivente vai concorrer com os filhos da falecida. Mas não vai concorrer sobre todos os bens da herança, mas, somente, com relação aos bens particulares que a mulher tinha. Não seria razoável ou justo que o viúvo fosse meeiro e, além disso, herdeiro concorrente tendo por objeto a herança toda. Essa é a opinião majoritária na doutrina brasileira, mas há, em minoria, o parecer de que a concorrência, no caso sob exame, deve ser sobre a herança inteira. A meu ver, é uma lição insustentável, e abordo a questão com detalhes no livro que acaba de sair, pela Editora Saraiva-SP, denominado, justamente, “Direito Hereditário do Cônjuge e do Companheiro”. 25.10.2010 |
Fonte: Jornal "O Liberal" - edição 18.09.2010 |
LEI No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002 - Institui o Código Civil
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
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