Companheira:  participação  na  herança

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ZENO VELOSO
Jurista 

Terezinha conviveu com Marcelino por mais de dez anos. Ela era solteira, ele viúvo, e tinha três filhos do primeiro casamento. Sempre foi complicado e difícil o relacionamento da nova mulher do pai e seus filhos. Por ocasião do inventário dos bens da falecida esposa, todo o patrimônio do casal - duas casas - ficou para os filhos, em partes iguais. O viúvo abriu mão de tudo. Por sua vez, Terezinha e Marcelino celebraram um contrato, por escritura pública, estabelecendo que o regime de bens da união estável que eles dois mantinham é o da completa separação de bens.

 A possibilidade de os companheiros escolherem um regime de bens diferente do supletivo, ou comum, que é o da comunhão parcial, vem previsto no artigo 1.725 do Código Civil. 

No casamento, igualmente, o regime previsto pela lei é o da comunhão parcial de bens (Código Civil, artigo 1.640), embora os nubentes, em regra, estejam autorizados (Código Civil, artigo 1.639) a celebrar pacto antenupcial, por escritura pública, escolhendo outro regime - o da separação de bens, por exemplo.

Durante a união estável, Marcelino comprou dois imóveis: um apartamento, e uma casa em Salinópolis, e um automóvel. Dado o regime de bens, esses bens são de propriedade exclusiva dele, não se comunicaram com o patrimônio da companheira. Vindo Marcelino a falecer no mês de julho passado, sem ter feito testamento, abriu-se uma discussão entre seus filhos e a companheira sobrevivente.

Os filhos, interpretando a opinião de alguns doutrinadores, dizem que a Terezinha não caberá nada e coisa alguma, pois a companheira só exerce direito hereditário quanto a bens dos quais ela já é meeira, e, no caso presente, os bens deixados pelo falecido eram de exclusiva propriedade dele.

Mas Terezinha consultou um advogado, Leonardo Pinheiro da Silva, e este garantiu que ela tinha direito, sim, na herança do companheiro, e o advogado fez a gentileza de citar meu parecer, neste sentido, que externei no livro “Direito Hereditário do Cônjuge e do Companheiro” (Editora Saraiva, São Paulo, página 169).

Regula a matéria o artigo 1.790 do Código Civil: “A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: “E essas condições vêm apontadas nos quatro incisos deste artigo 1.790.

 Existindo filhos, e se eles forem comuns, a companheira sobrevivente terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho (inciso I do artigo 1.790); se a companheira concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um desses descendentes exclusivos do falecido (inciso II do artigo 1.790).  

Afirma-se que o companheiro só tem direito hereditário limitado aos bens comuns, porque, nos casos gerais, o regime de bens da união estável segue as regras do regime da comunhão parcial de bens, e os bens adquiridos onerosamente por qualquer um dos companheiros é de ambos, integra a comunhão. 

Pode acontecer, todavia, que os companheiros estabeleçam, num contrato escrito, o regime da separação de bens, e, então, cada companheiro é dono, possuidor e administrador exclusivo de seus respectivos bens. Não há bens comuns.

 Isso não quer dizer, absolutamente, que o direito hereditário entre os companheiros está excluído. Mesmo que o regime de bens da união estável seja o da separação de bens, se o companheiro falecido adquiriu onerosamente bens, embora o companheiro sobrevivente não seja meeiro destes, exercerá seu direito sucessório sobre esses bens que tiverem sido onerosamente adquiridos na vigência da união estável, que é o fato previsto no artigo 1.790, “caput”, do Código Civil.

No inciso II, este artigo 1.790 afirma que se o companheiro sobrevivente concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles. E é esta a regra aplicável a Terezinha. Vai concorrer com os filhos exclusivos do falecido - seus enteados - com relação aos bens que este adquiriu onerosamente na vigência da união estável, obedecida a proporção estabelecida no artigo 1.790, inciso II, do Código Civil. E ainda terá direito real (vitalício) de habitação sobre o imóvel residencial em que vivia o casal. 

Mas este é um assunto controvertido. Fica para outra vez.

12.04.2013

Fonte: Publicado no jornal "O Liberal" -  17.12.2011 

LEI No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002

 Institui o Código Civil

Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.

§ 1o O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento.

§ 2o É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.

Art. 1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial.

Parágrafo único. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas.

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

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