O   Codicilo

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Zeno Veloso
Jurista

   Funcionária pública aposentada, residente em Ribeirão Preto, Maria de Fátima enviou e-mail contando uma história e fazendo perguntas, pedindo que respondesse por esta coluna.

Explicou que é solteira e não mantém união estável com ninguém. Não possui filhos e seus pais e avós já morreram. Tem três irmãos e nove sobrinhos.

Fez testamento público num cartório de notas de sua cidade, nomeando seus herdeiros dois dos sobrinhos, com os quais mantém um relacionamento mais estreito e a eles caberá dois apartamentos e o dinheiro que mantém aplicado numa instituição bancária.

Entretanto, disseram à consulente que ela teria de respeitar a metade da herança que cabe a seus irmãos e só poderia ter feito disposição mortuária aos sobrinhos queridos da outra metade, chamada parte disponível.

Essa é uma questão recorrente.

Muitas vezes já tive de dizer, neste espaço, que, na forma do art. 1.845 do Código Civil, herdeiros necessários, que, de pleno direito, têm assegurada a metade dos bens do falecido (o que represente a legítima), são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge sobrevivente.

 Alguns autores incluem nesse elenco, por uma interpretação sistemática, teleológica, o companheiro sobrevivente, mas esse tema é mais complexo e não posso abordá-lo agora.

Os colaterais até o quarto grau - irmãos, sobrinhos, tios, primos, sobrinhos-netos, tios-avós - são herdeiros legítimos mas não herdeiros necessários.

Logo o autor da herança está autorizado a deixar todos os seus bens para outras pessoas, sem contemplá-los e eles não podem reclamar de nada e nem pedir coisa alguma.

O testamento está bem feito e, com a morte da testadora, produzirá efeitos.

Cumpriu, portanto, os três planos do mundo jurídico, genialmente expostos por Pontes de Miranda: existência, validade e eficácia. Quem não conhece este assunto - planos do mundo jurídico -, de direito não conhece quase nada.

Maria de Fátima, todavia, apresenta outra questão: no apartamento em que vive existem móveis, eletrodomésticos, pertenças, e ela resolveu deixar uma máquina de costura para sua costureira; uma geladeira para o motorista de taxi que há anos lhe presta serviços; e os móveis de sala para uma afilhada.

Diz que terá de fazer um novo testamento, para completar o anterior, e não quer gastar dinheiro com isso.

Como resolver a questão?

Respondendo à consulta, entendo que ela não terá de outorgar obrigatoriamente um novo testamento, para fazer aquelas disposições. Poderá se utilizar de um codicilo, que é figura pouco utilizada e quase desconhecida em nosso país. Vou esclarecer.

O codicilo já foi chamado no Direito Romano de pequeno testamento.

Na verdade, é uma disposição para depois da morte sem ser um testamento. Parece um testamento, mas não é.

Conforme o art. 1.881 do Código Civil: “Toda pessoa capaz de testar poderá, mediante escrito particular seu, datado e assinado, fazer disposições especiais sobre o seu enterro, sobre esmolas de pouca monta a certas e determinadas pessoas, ou, indeterminadamente, aos pobres de certo lugar, assim como legar móveis, roupas ou jóias, de pouco valor, de seu uso pessoal”.

O art. 1.882 afirma que esses atos valerão como codicilos, deixe ou não testamento o autor.

Aconselho Maria de Fátima a elaborar um escrito particular, que deve datar e assinar, sem precisar de testemunhas, determinando que a geladeira, a máquina de costura e os móveis de sala, com a sua morte, caberão às pessoas que indicar no documento.

E esse escrito produzirá efeitos “post-mortem”, sendo obedecidas também as disposições que estão referidas no testamento público.

Diante do patrimônio da autora do codicilo, aqueles bens citados são de pequeno valor, de seu uso pessoal, e podem estar mencionados num codicilo, cujo objeto é limitado, restrito.

Finalmente, se a autora do documento mudar de ideia, quiser deixar as coisas mencionadas para outras pessoas, como agir?

O tema é regulado no art. 1.884 do Código Civil, que analisei no livro “Código Civil Comentado” (obra coletiva, 10ª ed., 2016, Saraiva, São Paulo, página 1977).

O codicilo pode ser revogado por outro codicilo. Este novo codicilo pode trazer outras disposições, ou dizer, simplesmente, que o anterior está revogado.

Se o autor do codicilo fizer testamento, em seguida, o codicilo pode ser revogado expressamente pelo testador.

Aqui, entretanto, há uma sutileza: se o testamento posterior não confirmar ou modificar o codicilo, considera a lei que o codicilo está revogado.                     

16.02..2007 

Fonte: Jornal O Liberal - BELÉM, SÁBADO, 11 DE FEVEREIRO DE 2017

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