Cláusula de inalienabilidade |
Zeno
Veloso
Jurista
Pobre
e humilde foram a infância e juventude de Pedro Pereira, nascido no
interior de um dos municípios do Baixo Amazonas, no Pará. Ainda
menino, passou a morar, praticamente, numa embarcação, fazendo
pequenos serviços. Depois, resolveu partir para o próprio negócio,
vendendo, comprando, trocando mercadorias nas comunidades ribeirinhas.
Com 25 anos, já era dono de um barco motorizado, fazendo o chamado
'regatão'. Casou-se com Maria Raimunda - que preferia ser chamada de
Mary - e teve três filhos. Enriqueceu. Ficou dono de um patrimônio
respeitável. Mas
os filhos de Pedro trabalhar não quiseram, irremediavelmente. Casaram
cedo, separaram-se e já estão na terceira relação amorosa. Na mão
deles, dinheiro é vendaval, como na canção de Paulinho da Viola. As
lanchas de passeio mais vistosas e bonitas da região são deles. E estão
sempre freqüentadas por mulheres bonitas e folgadas, que, no geral dos
casos, são amantes do cheiro da gasolina e do paladar do uísque. Enfim,
quase tudo que cai nas mãos dos rapazes é torrado, literalmente. Acometido
de uma enfermidade grave, Pedro resolveu fazer um testamento, para o que
procurou um dos mais tradicionais tabeliães de Santarém. E foi muito bem
orientado. Uma das características daquela cidade maravilhosa é a de ter
sido sempre servida por notários sérios e competentes, sem deixar de
lembrar um dos maiores líderes da região, meu querido amigo, o saudoso
Everaldo Martins. No testamento, ficou constando que a herança devia ser
dividia em três partes iguais pelos filhos do testador, que, todavia,
usando da faculdade do art. 1.848 do Código Civil, estabeleceu a cláusula
da inalienabilidade com relação aos imóveis que passassem a seus
filhos. Isso quer dizer que os herdeiros se tornam donos de tais bens, mas
ficam proibidos de vendê-los, de aliená-los. Trata-se de uma poderosa cláusula
restritiva, que limita, gravemente, a herança dos filhos. Ao
tempo do Código Civil de 1916, conforme o art. 1.723, era francamente
permitido ao testador que impusesse cláusulas restritivas à legítima
dos herdeiros. O Código Civil em vigor, art. 1.848, também permite a
aposição dessas cláusulas, mas com ressalvas. Pedro
ainda não morreu, mas seus filhos descobriram que ele tinha feito o
testamento, aproveitaram a ausência do pai, que foi consultar um médico
especialista, em São Paulo, e acharam o documento numa gaveta. Para
contestar, no futuro, a cláusula de inalienabilidade que foi imposta,
pagaram um parecer caríssimo, em que está afirmado que a legítima é
intangível, intocável, representando um direito dos herdeiros, que não
pode ser diminuído, sendo nula a restrição da legítima. Foi-me
mostrado esse parecer e eu não concordo com o mesmo. Este
espaço é limitado. O objetivo, aqui, não é de analisar com ares de
academia as questões jurídicas, mas o de trazer informação, fácil,
direta e simples, para o povo. Então, indo direto ao ponto: o testador
que tem herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge)
precisa respeitar a legítima dos mesmos, representada pela metade do
patrimônio. Não pode diminuir, encurtar, decotar a legítima. Mas pode,
sim, determinar cláusulas restritivas para a mesma (inalienabilidade,
incomunicabilidade, impenhorabilidade), desde que, no testamento, o autor
da herança declare a 'justa causa' das mesmas. E Pedro, no testamento que
fez, expôs o comportamento leviano, dispersivo, irresponsável de seus
filhos, que os levará, fatalmente, a gastos imoderados, a consumir a
herança em curto espaço, razão pela qual foi imposta aos bens a
inalienabilidade. Acho que fez bem e está bem feito. Hoje, participo em Belo Horizonte do VI Congresso Brasileiro de Direito de Família, patrocinado pelo IBDFAM, e fiz uma palestra sobre o tema abordado acima. 18.11..2007 |
Fonte: Jornal "O Liberal" - 17.11.2007 - Belém - Pará |
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