Cláusulas restritivas |
ZENO
VELOSO
Jurista
Quem
tem herdeiros necessários só poderá dispor da metade da herança, pois
pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens
da herança, constituindo a legítima. Os herdeiros necessários - também
chamados obrigatórios, reservatórios - são os descendentes (filhos,
netos etc.), ascendentes (pais, avós etc.) e o cônjuge (ver artigos
1.789, 1.845 e 1.846 do Código Civil). A
legítima, ou seja, a metade dos bens do falecido, que caberá aos
herdeiros necessários, é princípio de ordem pública. A legítima não
pode ser diminuída ou gravada. A
legítima é intangível. Mas admite-se que incidam sobre a mesma as
chamadas cláusulas restritivas, previstas no artigo 1.848 do Código
Civil: “Salvo se houver justa causa declarada no testamento,
não pode o testador estabelecer cláusulas de inalienabilidade,
impenhorabilidade e de incomunicabilidade sobre os bens da legítima”.
Que significam essas cláusulas? A
inalienabilidade é a restrição imposta pelo testador ao herdeiro necessário
quanto ao poder de disposição dos bens que integram a legítima, isto é,
o herdeiro não pode alienar tais bens, a qualquer título (venda, doação,
permuta, dação em pagamento etc.), nem pode onerar esses bens, com
hipoteca, por exemplo. A cláusula de impenhorabilidade tem a
finalidade de subtrair os bens da legítima da garantia dos credores, o
que quer dizer que ficam livres de execução por dívidas do herdeiro e,
portanto, não podem ser penhorados. Finalmente, pela cláusula de
incomunicabilidade, os bens da legítima não se comunicam ao cônjuge
(marido ou mulher, conforme o caso) do herdeiro, qualquer que
seja o regime do casamento. O
novo Código Civil, contrariando algumas expectativas, acabou permitindo a
aposição dessas cláusulas restritivas à legítima, mas inovou,
determinando que o testador deve, expressamente, indicar a “justa
causa” pela qual resolveu estabelecer a restrição à legítima de seu
herdeiro necessário. Já
vi alguns testamentos, celebrados antes e depois do Código
Civil de 2002, em que o testador determina que a legítima do herdeiro
necessário seja gravada de usufruto em favor de outra pessoa. Neste
caso, o herdeiro fica como nu-proprietário, tem a propriedade reduzida,
limitada, pois uma outra pessoa é que fica como titular do direito real de
usufruto. Pelo princípio da intangibilidade da legítima, essa determinação
(a respeito do usufruto) é nula de pleno direito. A legítima não pode
ser onerada, gravada. Acabo
de estudar um caso interessante em que o testador, vamos chamá-lo de João
Silva, estabeleceu as cláusulas de inalienabilidade e de
impenhorabilidade à legítima de forma prevista pelo artigo 1.848
do Código Civil. Ocorre
que o testador deixou muitas dívidas, e os credores estão se habilitando
no inventário, e o filho dele, Raul, também deve muito dinheiro na praça,
a fornecedores, bancos e até agiotas. Como resolver o problema? É
preciso estabelecer a distinção: os bens deixados em herança, ainda que
gravados com a cláusula de inalienabilidade e de impenhorabilidade,
respondem, sim, pelas dívidas do falecido. A cláusula de
inalienabilidade e de impenhorabilidade não impede a penhora em execução
contra o espólio, pelas dívidas contraídas e não pagas pelo morto.
Entretanto, tais bens gravados com essas cláusulas não respondem pelas dívidas
do herdeiro, no caso, do filho do testador; então, não podem ser
penhorados, e para isso mesmo é que tais cláusulas foram impostas
à legítima. 20.08.2009 |
Fonte: Jornal "O Liberal" edição de 18.04.2009 |
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