Ciúme do namorado da esposa

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ZENO VELOSO
Jurista 

Um professor de Direito, diante de seus alunos, iniciando uma aula em que seria abordada a união estável, perguntou: “Homem casado pode constituir união estável com outra mulher?” Houve um alvoroço na classe e todos participaram vivamente dos debates.

Muitos alunos responderam logo que não; outros acharam que sim. Em seguida, o professor observou que os alunos se precipitaram em fornecer rapidamente a resposta, em emitir, prontamente, sua opinião, e isso é uma atitude extremamente perigosa quando se trata de matéria jurídica.

Nas ciências exatas, por exemplo, o trabalho do pesquisador acaba quando ele alcança a certeza, como o matemático que conclui que dois mais dois são quatro, ou o químico que deduz que H2O é água. Tratando-se da ciência jurídica, ao contrário, quando se chega à certeza é que começa o esforço, o trabalho, a pesquisa, a investigação do verdadeiro jurista, para quem não é suficiente e não basta a simples certeza, mas tem que ser procurada e revelada a “certeza da certeza”, para usar expressão do meu saudoso mestre Miguel Reale, que faria gloriosos cem anos de idade neste 2010.

Pois bem: a melhor resposta para aquela questão apresentada em sala de aula era: “depende”. Não é que tudo dependa no mundo jurídico, mas a maioria das questões são relativizadas, porque estamos diante de uma ciência social em que impera o diálogo das fontes, a discussão, o debate, a interpretação finalística, e muitos fatores, inúmeras circunstâncias, sutilezas mil, detalhes intermináveis influenciam na solução do caso concreto. Cada caso, afinal, é um caso. Assim sendo, se o homem casado vive e convive com sua esposa, a mulher com quem ele realiza encontros eventuais, furtivos, é uma parceira sexual, somente; e a mulher com quem ele tem um relacionamento não eventual sobe um degrau nessa escada valorativa, mas não passa de concubina, consoante o artigp 1.727 do Código Civil, e a quem não são reconhecidos direitos na órbita do Direito de Família e do Direito das Sucessões. Porém, se o homem casado está separado de fato de seu cônjuge e mantém um relacionamento afetivo com outra mulher, de forma pública, contínua, duradoura, com o objetivo de constituição de família, configura-se, certamente, uma união estável, basta ler o artigo 1.723 e parágrafo 1º do Código Civil.

Recentemente, participei de um congresso jurídico em  Santarém, que se revestiu do maior sucesso. Em dado momento, um dos participantes, aliás muito preparado e inteligente, apresentou-me, como aos professores paulistas Euclides de Oliveira e Giselle Groeninga, presente, ainda, o advogado e professor santareno (nascido em Santa Catarina) Miguel Borghesan, a seguinte questão: “Eu sou casado há alguns anos, mas me apaixonei por outra mulher. Abandonei o lar e fui em busca da felicidade, passando a viver debaixo do mesmo teto com essa mulher, e nisso passaram alguns anos, constituindo-se uma união estável, porque, embora eu não tenha me separado judicialmente de minha esposa, estava separado de fato da mesma, não havia mais vida em comum. Entretanto, alguém veio me contar que minha esposa tinha começado um relacionamento amoroso com um rapaz, bem mais novo que ela. Fui acometido de um ciúme formidável, um fogo terrível  tomou conta do meu coração, quase enlouqueci, nem conseguia dormir pensando em minha esposa nos braços daquele garotão. Fiz de tudo – o possível e o impossível – e consegui voltar a manter um relacionamento íntimo com minha esposa, por diversas vezes. Fiz – ou acho que fiz – com que ela esquecesse a paixãozinha que estava sentindo pelo rapaz.

Minha companheira anda desconfiada, mas não tem certeza do que está acontecendo, nem sonha que possa estar ocorrendo justamente com minha esposa... Aproveito a presença dos senhores para perguntar o seguinte: eu sou amante de minha companheira ou de minha esposa?”

Confabulamos um pouco, Euclides, Giselle, Borghesan e eu – dando opinião, também, a mulher de Euclides, Maria Lúcia, advogada, ex-procuradora do Município de São Paulo. Ficamos admirados com aquela história, mas não espantados, que, nessa altura, já nada mais nos assombra, e chegamos à seguinte conclusão: o nosso amigo – que pediu que a resposta fosse dada nesta coluna –, na verdade, está separado de fato da esposa e constituiu união estável, portanto, entidade familiar com outra mulher. Neste momento, tendo encontros íntimos com a esposa, de quem está separado de fato, quebra o dever de lealdade na união estável. Portanto, ele é amante de sua própria esposa.

28.03.2011 

Fonte: Publicado no jornal "O Liberal" -  02.10.2010 

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