Casamento
religioso e efeitos civis |
ZENO
VELOSO
Jurista
Acabou de repente o casamento de João Batista e Lucrécia, que já durava
seis anos e havia produzido dois filhos. Certo dia, durante o café da manhã,
a mulher foi franca, dura e direta: “Para mim chegou, estou cheia. Não
quero mais viver contigo, estou gostando do Pedrão e vou viver com ele. Parto
hoje mesmo. Cuida dos meninos”. A
tristeza e o embaraço do marido decorriam de ele ainda gostar muito da
esposa. Pedrão era seu massagista e foi ele mesmo que indicou o rapagão
para ser o treinador pessoal de Lucrécia na academia. Foi um descuido. O
resto da história é fácil de imaginar. A
separação do casal foi amigável. A mulher ficou com a metade dos bens e
levou um apartamento no bairro do Umarizal e um carro seminovo. Passados
alguns meses, João conheceu Ritinha, que se tornou namorada dele e em
seguida companheira, pois passaram a morar juntos, situação que já
durava dois anos, formando uma família. Era,
portanto, relação que representava uma entidade merecedora de tanto
respeito e acatamento quanto as famílias constituídas através do
casamento. Para estreitar ainda mais os laços, Ritinha casou-se com João
Batista em uma linda cerimônia religiosa. Nessa
altura, Lucrécia reapareceu das cinzas, exigia dinheiro de João,
tentando fazer a extorsão conhecida e manjada, avisando: “vou buscar as
crianças para viver comigo, a não ser que passes a me pagar pensão
alimentícia e me does um automóvel”. Relembre-se que Lucrécia tinha
ficado com um apartamento e um carro na partilha, mas vendeu-os; o amante
ficou com toda grana e deixou-a logo depois, coitadinha. A
interferência e a insistência de Lucrécia atormentavam João e
conturbavam a vida dele com Ritinha, que, por sua vez, não se sentia
totalmente confortável e segura por não ser, ainda, casada civilmente. Não
era oficialmente casada, não usava o sobrenome do companheiro, nem tinha
estado civil definido: nem era casada, nem era solteira, exatamente. Uma
advogada, colega de repartição, explicou para Ritinha que o casamento
exclusivamente religioso, por si só, não tem efeito de casamento civil,
a não ser que os nubentes, antes de casar, façam o processo de habilitação,
perante o oficial de registro civil, e então a certidão do casamento
religioso é levada para ser registrada no Registro Civil, caso em que o
casamento religioso tem o mesmo efeito do casamento civil (Código Civil,
art. 1.516, §1º). Mas, infelizmente, essa providência – processo de
habilitação prévia – não havia sido feita. Outra
colega de repartição, que ouvia a conversa, disse que seu filho era
estudante de Direito, ela o havia ajudado a se preparar para uma prova, na
semana passada, e se lembrava de ter lido uma passagem de um livro em que
se dizia que, mesmo depois de ter sido realizado o casamento religioso,
tal casamento pode ser registrado e ter todos os efeitos do casamento
civil, se, a qualquer tempo, o casal requerer esse registro e fizer o
processo de habilitação, que, assim, não é promovido antes, mas depois
do casamento religioso (Código Civil, art. 1.516, § 2º). Recebi
um e-mail de Ritinha, que se apresentou como leitora desta coluna. Contou
todos os fatos antes relatados e me pediu opinião sobre o assunto.
Primeiro: o casal deve reunir todas as forças e resistir às pressões de
Lucrécia. Chantagem
não tem fim. A mulher, abandonada pelo jovem amante e não podendo se
vingar dele, quer destilar a raiva e a frustração no seu ex-marido,
abalando o vínculo afetivo que estabeleceu com a nova mulher. Segundo: a
relação de Ritinha com João Batista configura União Estável. Basta ler o que diz a Constituição Federal, art. 226, § 3º, e o Código Civil, art. 1.723 e seguintes, para ver que é uma entidade em tudo equiparada ao casamento, inclusive com relação aos direitos e deveres entre os companheiros. Terceiro: não é possível dar-se, por enquanto, efeitos civis ao casamento religioso de Ritinha e João Batista, porque ela é solteira, mas ele é separado judicialmente, o que significa que teve dissolvida a sociedade conjugal com Lucrécia, mas o vínculo conjugal persiste e só se extinguirá com o divórcio (ou com a morte de qualquer um dos cônjuges, consoante o art. 1.571, § 1º do Código Civil). Portanto, há impedimento, neste momento, para o casamento de João Batista e, pela mesma razão, o casamento religioso dele não pode ser registrado, para ter efeitos civis. 30.07.2010 |
Fonte: Jornal "O Liberal" - edição 10.04.2010 |
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