MULHER
CASADA E PEDIDO DE ALIMENTOS |
ZENO
VELOSO
Jurista
O artigo
de sábado passado, falei do grande João Abujamra e da ligação dele com
JK. Mencionei alguns amigos que João tem em Belém, mas lembrei de
outros: Ramiro Bentes,
Sérgio
Alberto Frazão do Couto, Cláudio Palha Bittencourt e Fernando Moreira de
Castro Júnior. Hoje, contarei o drama de Fafá. Maria de Fátima era uma
jovem bonitinha, jeitosa, morava no subúrbio, estudava num cursinho,
preparando-se para fazer vestibular para Ciências Contábeis. Muito
querida pelos amigos, filha exemplar, boa irmã, não participava de
fofocas, jamais falava mal da vida alheia. Humilde, discreta, embora não
tivesse bens materiais expressivos ou vestidos da moda, foi poupada por
Deus do terrível sentimento da inveja, que mortifica o coração dos
imbecis e pobres de espírito. Era chamada por todos pelo apelido
carinhoso - e óbvio - de Fafá. Muitas
Fátimas que conheço recebem esse apelido, que se torna público, notório.
Em nosso direito é até possível, em casos tais, a troca do prenome
oficial pelo apelido, mas este é assunto para outro artigo. Pois a nossa
Fafá, no cursinho, apaixonou-se por um colega, de família tradicional na
cidade, tida como nobre, mas empobrecida. Não há nada mais dramático e
triste do que ex-rico com nariz empinado, fazendo pose de milionário.
Começaram a namorar, para orgulho da mãe da moça, que, rude, sem
leituras nenhumas, tinha valores distorcidos, e propalou entre as vizinhas
que aquele relacionamento da menina com o rapagão tão bem nascido iria
representar a ascensão social da filha. O pai de Fafá, antigo comissário
de Polícia, mais vivido, mais sofrido, 'passado na casca do alho', fazia
suas reservas. Fafá
passou no vestibular e, mal terminou de comemorar, descobriu que estava grávida.
O namorado ainda quis dar o golpe do 'João sem braço', mas se assustou
com o olhar penetrante do pai da menina e a profundidade de sua voz,
quando proclamou: 'Se tu não casares com Fafá não é exatamente o teu
braço que eu vou arrancar com a faca da cozinha'. Afinal, entre idas e
vindas, tudo ficou arranjado e o casamento marcado. O vestido de noiva foi
alugado e mal disfarçava a barriguinha já bem desenvolvida da nubente. O
pessoal do subúrbio alugou um ônibus para ir à igreja, no Centro. Uma
vizinha, despeitada porque não recebeu convite, comentou que só tinha
visto aluguel de ônibus, naquele meio, para ir passar o domingo em
Salinas, ou para funeral. Pressionada, a mulher largou a faculdade. Entretanto,
a partir do quinto ano de casamento, o comportamento do marido mudou,
radicalmente. Chegava sempre tarde da noite, com as desculpas mais
esfarrapadas. Presente, às vezes, na sala do pequeno apartamento,
notava-se que seu pensamento vagava longe dali. Mostrava-se ansioso. Pouca
atenção dava ao filho e deixou de cumprir com a esposa o que os juristas
antigos denominavam 'débito conjugal', que é um nome meio esquisito para
chamar a relação sexual. Dinheiro, então, não aparecia mais. Fafá e o
pequeno filho começaram a passar por extrema dificuldade. Como dizia meu
amigo Alfredão, 'quando falta o gás, acaba o respeito'. As discussões
do casal eram diárias, cada vez mais deprimentes, constrangedoras. Tudo
indicava que o marido estava enlaçado numa aventura fora de casa, e
perdeu a cabeça. Há amantes que dão mais prejuízo que os cassinos de
Las Vegas. O apaixonado, muitos acham, devia integrar o elenco dos que
precisam ser interditados. Paixão desmedida é caso de curatela. Mas
Fafá não queria se separar. Ainda restava algum amor pelo marido, havia
o filho pequeno e, afinal, ela não tinha eira nem beira. Não tinha para
onde ir. Mas, obviamente, não queria morrer de fome com a criança.
Procurou uma advogada, amiga da adolescência, e expôs toda a história,
a angústia que sentia, a penúria por que passava. Vendo que a mulher não
aceitava a idéia da separação, disse-lhe a advogada que iria propor
contra o marido uma ação de alimentos. Fafá, que burra não era,
espantou-se e perguntou: 'como pedir alimentos se estou convivendo com meu
marido e quero continuar casada?' A advogada explicou, e este é o aspecto jurídico da história de hoje: diante do princípio da igualdade entre os cônjuges, não há mais a obrigação do marido sustentar a mulher. Mas continua existindo o dever recíproco de sustento, guarda e educação dos filhos e de mútua assistência (Código Civil, artigo 1.566, incisos III e IV). O marido de Fafá desertou do cumprimento de suas obrigações, recusa-se a fornecer o necessário para a manutenção da família. É razão, inclusive, para o pedido de separação judicial litigiosa. Mas isto a esposa não quer, é um direito dela separar-se ou não. Porém, mesmo na constância da sociedade conjugal, em plena convivência entre marido e mulher, dependendo das circunstâncias, a questão de alimentos pode se apresentar.
28.09.2006 |
Fonte: Publicado no "O Liberal" edição de 18.02.2006 |
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