Branca de Neve e Pelé serão expulsos de casa? |
ZENO
VELOSO
Jurista
Seu amigo Carlos Alberto Dabus Maluf acaba de vencer o concurso
para professor doutor titular de Direito Civil da Faculdade de Direito do
Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo. Trata-se, simplesmente
(com a de Olinda), da mais antiga e tradicional Faculdade de Direito do
Brasil. Carlos Alberto me remeteu
seu livro 'O Condomínio Edilício no Novo Código Civil', escrito em
parceria com Márcio Antero Motta Ramos Marques, editado pela Saraiva, e
que está na 2ª edição. Recebi, também, o livro 'Condomínio', editado
pela RT, 9ª edição, de autoria de outro caro amigo, João Batista
Lopes, ex-desembargador do TJ-São Paulo e professor da PUC/SP. Tenho dito e repetido,
para meus alunos e em palestras, que esses dois livros são preciosos e
indispensáveis para bem conhecer esse importante tema, que o novo Código
Civil denominou 'condomínio edilício', e o Código Civil português
chama de 'propriedade horizontal'. É nos edifícios de apartamentos ou de
salas de escritórios que aparece essa figura jurídica com grande
intensidade. E a relação de vários donos do mesmo terreno e construção,
exercendo, a um só tempo, a propriedade em condomínio, das partes
comuns, e a propriedade exclusiva, das unidades autônomas, gera inúmeras
tensões e perplexidades. Muitas dúvidas se
apresentam e não estão suficientemente resolvidas. Uma delas, muito
constante, foi objeto de carta que uma leitora me remeteu, dizendo que sua
'família' se resume num casal de cachorrinhos, da raça 'poodle', ela
branquinha e ele pretinho, cujos nomes estão no título deste artigo; porém,
chegou uma vizinha, que acaba de comprar um apartamento no prédio, e
mandou avisar pelo porteiro que vai denunciar o fato ao síndico, exigindo
que os dois cães sejam expulsos imediatamente do prédio. Tanto Carlos
Maluf (página 51) quanto João Batista Lopes (página 150) abordam essa
questão. A solução do problema
depende de ser feita, inicialmente, uma distinção: a) a convenção do
condomínio é omissa a respeito; b) a convenção é expressa, proibindo
a presença de animais de qualquer espécie; c) a convenção é expressa,
vedando a presença de animais que causem incômodo aos condôminos. Nas hipóteses 'a' e 'c' o
problema se desata, facilmente. Se a convenção não fala nada e nada
diz, sendo omissa, a permanência de animais é admitida, embora deva ser
observado o art. 1.336, inciso IV, do Código Civil: o condômino não
pode utilizar a sua parte, nocivamente, de maneira prejudicial ao sossego,
salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes (RT,
819/200). Na hipótese 'c', se a convenção proíbe apenas a permanência
de animais que causem incômodos aos vizinhos ou ameacem a segurança dos
mesmos, tudo se resume em verificar (provar), no caso concreto, se o bicho
causa o transtorno ou o mal-estar previsto na convenção. A hipótese 'b' é a que tem sido objeto de maior reflexão e controvérsia, na doutrina e na jurisprudência. De um lado, afirma-se que a convenção tem força normativa, que a lei é dura, mas é lei, não se podendo tolerar, sob pena de introduzir a confusão e os caos, qualquer desrespeito às suas determinações. De outro lado, há quem observe que pequenos animais, nos dias de hoje, funcionam como únicas companhias de muitas pessoas, e que seria desumano privá-las disso. Afinal, o que tem
prevalecido, quando há proibição na convenção da permanência de
animais, é uma interpretação que fuja do fetichismo normativo, de uma
visão extrema e radical, que caia no summum jus, summa injuria (STJ,
REsp. 12.166-O-RJ; RT, 791/213). Caso contrário, o condômino não
poderia manter em casa nem mesmo um peixinho no aquário, uma
tartaruguinha de 10 cm, um periquitinho australiano. Mas há decisões
extremadas, que mandam despejar os cãezinhos, se a convenção veda a
presença dos mesmos (TJSP-Sexta Câmara-RJTJ-Lex 315/69). Quanto aos cães, se é um
bicho grande (um pit bull, um pastor alemão, um labrador, por exemplo),
ou bravo, causando apreensão e medo, se o animal quer morder quem passa
por perto, se faz xixi ou cocô no corredor, no elevador ou áreas comuns,
se late muito alto e por muito tempo (especialmente à noite), obviamente,
não pode ficar no prédio; e, aliás, não pode permanecer, nessas
circunstancias, nem mesmo quando a convenção for omissa. Se o cãozinho de estimação
é de pequeno porte, no elevador e nas áreas do condomínio fica nos braços
da dona, se não causa incômodo, mal-estar, risco à segurança ou à saúde
dos condôminos, pode, sim, continuar vivendo no edifício, pois um
bichinho, assim, não deve ser considerado um 'animal', mas, com certeza,
em termos de amor, ternura e afeto, é uma 'pessoa' da família de seu
proprietário. Só quem não tem um cachorrinho de estimação - e não
sabe o que está perdendo! - é que vai torcer o nariz e não vai gostar
dessa afirmação. P.S.: Semana que vem, no Hangar, ocorrerá o 4º Congresso Paraense de Direito de Família. Não se deve perder! 29.03.2008 |
Fonte: Jornal "O Liberal" - edição 15.03.2008 |
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