Pedro,
já formado em engenharia, chegou aos 25 anos sem jamais ter namorado,
embora fosse um rapaz bem parecido, e esse fato levantava algumas
suspeitas a respeito de suas preferências sexuais. Entretanto, tais dúvidas
se dissiparam e a maledicência acabou quando ele conheceu Lúcia, mulher
mais velha, economicamente independente, que se tornou namorada, amante e
companheira dele, nessa ordem. O casal manteve uma vida em comum por sete
anos e houve dois filhos dessa relação. Infelizmente, o amor não
resistiu à rotina e, mais que isso, Lúcia se apaixonou por um jovem
colega de trabalho, mau caráter, mas bonitão, e começou a manter um
romance com ele. Pedro descobriu que era traído e resolveu se separar.
Cada um foi para o seu lado, depois de uma briga rumorosa para partilhar
os bens que haviam adquirido durante o tempo da convivência. Dividiram os
cacos do amor desfeito e restou o ódio. O engenheiro resolveu mudar de
cidade, conseguiu emprego numa multinacional, em Campos, no Rio de
Janeiro. Os filhos, atualmente com cinco e três anos, que sempre estavam
na companhia dos avós, que se dedicavam a eles com imensa devoção,
ficaram com a guarda da mãe, numa cidade do Pará. O namorado de Lúcia,
terminado o fogo da aventura, e depois de pedir-lhe dinheiro emprestado -
que jamais pagou -, trocou a amante balzaquiana por uma “gatinha”,
estudante do 2º grau. Quase sempre é assim: “Ricardão” quer comer a
carne, mas chupar os ossos não é com ele!
Ocorre que os pais de Pedro, avós dos meninos, estão profundamente
abalados com a separação do filho, nem tanto pela separação, em si,
porque jamais haviam simpatizado com Lúcia, acrescido o fato de que esta
deu “um passo em falso”, mas porque a mãe das crianças,
simplesmente, proíbe que eles vejam os netinhos. Não permite que visitem
as crianças e não deixa que estas se dirijam à casa dos avós, embora
queiram e peçam isto, insistentemente.
Desesperados, ambos em estado de angústia, deprimidos, os pais de Pedro
apelaram de todas as maneiras para que Lúcia afrouxasse seu sentimento e
deixasse que os meninos, de vez em quando, pelo menos, ficassem juntos com
os avós, que os amam como nada neste mundo. Lúcia, entretanto, não lhes
dá essa chance (nem dá essa chance às crianças, é bom ressaltar),
explicando, inclusive, que consultou um advogado, e este lhe disse que,
pela lei, só quem tem direito de visita é o pai, e este não vê os
filhos porque está afastado, vivendo em outro lugar; os avós não têm
esse direito, e o Código Civil, que regula a matéria, não prevê
direito de visita a tais ascendentes. Nesta altura está a questão,
quando recebo uma cartinha dos avós, expondo os fatos, pedindo que eu dê
um esclarecimento, escreva sobre o tema neste jornal.
O interessante é que já abordei esta matéria, aqui, quando o assunto
ainda não estava muito debatido na doutrina. E o que disse ontem, volto a
afirmar, hoje. É preciso ressaltar que a lei não esgota todo o direito,
sobretudo se se trata de questão de família. O direito é muito maior do
que a lei, e o juiz, tendo de fazer justiça, pode e deve interpretar os
fatos dentro do sistema, verificando o fim social das normas,
identificando o conteúdo moral, ético, humano das mesmas, e disto falei
no livro que acabo de lançar, pela Editora Unama, comentando os artigos 1º
a 6º da Lei de Introdução do Código Civil.
Reconheço que, literalmente (ao contrário do Código Civil francês e do
Código Civil português), nosso Código Civil, no artigo 1.589, só
menciona direito de visita dos pais, deixando de referir aos avós.
Entretanto, há muito tempo, doutrina e jurisprudência, entendem que deve
ser reconhecido tal direito aos avós, com base no direito natural, no
princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, no fato de que
deve ser assegurada ao menor a convivência familiar, e na circunstância
de que as decisões judiciais, neste caso, devem ser tomadas levando em
conta, principalmente, o melhor interesse da criança ou do adolescente.
Acho, inclusive, considerando que a família é, também, uma realidade sócio-afetiva,
que um tio, um padrinho, um pai de criação pode ter direito de visitar a
criança ou o adolescente. Como este espaço é reduzido, para os que
quiserem aprofundar-se no assunto, indico o livro de Yussef Said Cahali
(“Divórcio e Separação”, 9ª edição, página 951), em que a matéria
é abordada com extensão e maestria.
Até porque amanhã é o Dia do Círio de Nazaré, lembro que o bom José,
o carpinteiro, não é o pai biológico de Jesus, mas, sem dúvida, foi o
pai afetivo e amantíssimo do filho de Deus.
10.12..2005 |