QUANDO O Amor  acaba nos tribunais 

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Haroldo Guilherme Silva
Advogado 

          A Constituição brasileira, o Código Civil em vigor e demais leis ordinárias prestigiam a família, seja oriunda do casamento, da união estável ou, ainda, a parental. O desiderato é estimular a preservação da entidade familiar.

         O matrimônio civil se inicia com um contrato - de natureza especial - , a partir de cuja assinatura os cônjuges aderem às normas legais vigentes que disciplinam as relações entre marido e mulher, e entre estes e a prole. Na relação não-matrimonializada, recomenda-se que a união - que pretende tornar-se “estável” - comece por um contrato, lavrado por instrumento público, depois levado a registro, a fim de melhor presidir a convivência entre os companheiros, em especial no que concerne ao regime de bens (aspecto patrimonial) escolhido por ambos.

          Ocorre que o casamento é, na modinha popular, “loteria difícil de se acertar”; e o amor, nos versos do poeta, “infinito enquanto dure”. Da combinação destas duas assertivas resulta que a relação conjugal sempre enfrenta problemas, alguns leves e contornáveis, outros, infelizmente, não. Contudo, o esforço conjunto de ambos os consortes é que deve conduzir a busca pela superação de tais problemas, de modo a restabelecer a harmonia no lar, tanto mais quando há filhos, que geralmente sofrem as mais agudas e profundas conseqüências desses conflitos.

         Muitos casais, logo no primeiro desentendimento, precipitam-se, sem maior esforço, em separar-se, achando não ser mais possível continuar juntos. Nesse momento, esgrimam entre si aquelas célebres frases: “Não sei onde eu estava com a cabeça quando me casei com você!”; “Nosso casamento foi um terrível engano!”; “É o fim!”; “Fico com o disco do Pixinguinha, devolva o Neruda que você me tomou e nunca leu, e o resto é seu!”.

        É o momento em que se procura o advogado, a quem o marido, ou a esposa, narra os fatos, movido não raro por grave emoção, forte ressentimento, enorme mágoa. Não há, para o profissional do direito, fórmula pronta que identifique se aquele é, ou não, o instante certo para o casal separar-se. Muitas vezes, o arroubo ainda juvenil não teve tempo de serenar os ânimos, para que uma conversa franca e produtiva pudesse pôr fim àquele eventual desentendimento. Se ainda existe propósito de contornar o incidente, é válido o esforço para superá-lo. Aí entra o “ponderado” profissional do direito, que tenta empregar todas as alternativas ao seu alcance, a fim de viabilizar uma reconciliação.

        Quando o advogado percebe que está diante de uma inexperiência conjugal, a prejudicar a saudável convivência dos consortes, é recomendável valer-se da assistência interdisciplinar, encaminhando os cônjuges ou companheiros a um psicoterapeuta - dada a ausência ainda, entre nós, da Mediação - , incumbindo-o de perscrutar também o problema e auxiliá-los na solução.

        Com freqüência, porém, não há mais jeito, e essa tentativa se torna vã. A propósito, ouvi do professor Rodrigo da Cunha Pereira, presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família, numa conferência durante o II Congresso Brasileiro de Direito de Família, em Belo Horizonte, uma experiência que teve, como advogado, quando, fazer, doutor, se o amor dela por mim continua, mas o meu já acabou?!”

        Se não há a possibilidade sequer de conciliação, isto é, de um acordo, com o objetivo de aforar-se uma separação consensual, só resta adotar a via litigiosa, sempre desgastante, quando se diz então que o amor acaba nos tribunais.

 

Um passeio pela linguagem

         Eliasar Rosa é um autor clássico com quem aprendi, ainda estudante de direito, as primeiras lições sobre a linguagem jurídica, em um precioso livrinho intitulado “Os erros mais comuns nas petições” (3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1974, 87 páginas). Transformado agora em alentada obra, o autor reviu-a, atualizou-a, fez-lhe acréscimos e denominou-a, simplesmente, “Linguagem forense” (Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2003, 434 páginas). Vejamos um ensinamento moderno desse antigo mestre:

       Hoje, valeria a pena suprimir-se [...] essa adjetivação cheia de mesuras e que soa falso sem nada acrescentar às peças forenses: “digna” autoridade; “douta” Curadoria ou Procuradoria; “ilustrado” órgão do Ministério Público; “egrégia” Câmara; “colendo” Grupo; “venerando” acórdão; “respeitável” decisão ou despacho; “Excelso” Pretório ou Pretório “Excelso” etc.

       Tudo isso são salamaleques, hoje vazios de significação verdadeira. Autênticos “preciosismos” são essas postiças reverências, sem as quais em nada fica sacrificada a cortesia do advogado, nem a majestada da Justiça e a dos que a servem com elevação e dignidade.

       Vitandos também são esses fechos em Latim, que, vez por outra, ainda se lêem: o desiderativo “ita speratur”, que quer dizer - assim se espera - ; ou o imperativo, quase intimidativo, “aut justitia aut nihil”, isto é, ou a Justiça, ou nada.

      Seja a nossa linguagem de advogado sóbria e parcimoniosa, clara, nobre, correta e persuasiva, que bem dispensa o “data venia”, o “datíssima venia” (!), o “concessa venia”, o “concessa máxima venia”, o “permissa venia” ou “venia permissa” etc.

Modernizemo-nos, então !         

      

16.08.2005 

Fonte: Jornal "O Liberal" - edição 30.07.2005

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