Suspensa
decisão que obrigava registro cartorial de veículos alienados
fiduciariamente
Se a lei não exige o prévio registro cartorial
do contrato de alienação fiduciária para a expedição de certificado de
registro de veículo, não há como obrigar o Departamento de Trânsito
(Detran) a exigir tal documento dos proprietários de veículos. A observação
foi feita pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro
Edson Vidigal, ao suspender a segurança concedida à Associação dos Notários
e Registradores de Alagoas (Anoreg/AL) pelo Tribunal de Justiça de Alagoas.
A Anoreg entrou na Justiça com um mandado de segurança, afirmando que o
Detran deve exigir, como condição indispensável à expedição de
certificado de registro de veículos alienados fiduciariamente, o comprovante
de prévio registro cartorial do respectivo contrato de venda com reserva de
domínio.
Em primeira instância, o mandado de segurança foi negado. Ao julgar a apelação,
no entanto, o Tribunal de Justiça reformou a sentença, para conceder a
segurança. Alegando lesão à ordem pública administrativa, o Detran
requereu ao STJ, com base na Lei nº 4.348/64, artigo 4º, a suspensão da
decisão. Segundo o órgão, é desnecessário o registro de tal contrato no
cartório de títulos e documentos, não havendo dever legal para a exigência
do registro.
"Não pode a Administração ser compelida a praticar o ato ilegal, sob
pena de ofensa à ordem pública", acrescentou. "Ao estabelecer as
exigências para expedição de Certificados de Registro de Veículo, não
prevê o contrato de alienação fiduciária previamente registrado como
documento obrigatório a ser apresentado pelo interessado", completou.
Quanto ao argumento de lesão à economia pública, o Detran afirmou que a
manutenção da decisão vai obrigar o Estado a onerar os proprietários de veículos
com o pagamento de taxas cartoriais desnecessárias, sendo provável que os
proprietários procurem registrar os veículos em outros estados, resultando
em evasão fiscal. Ainda segundo o Detran, a decisão, proferida contra a lei,
implica a cassação do poder discricionário que detém a Administração Pública,
dificultando o funcionamento pleno da máquina administrativa, a par de
atingir negativamente o interesse público com a duplicidade de sistemas
registrais públicos.
O presidente do STJ suspendeu a segurança. "Sob o aspecto do fumus boni
iuris [fumaça do bom direito; pretensão razoável], a pretensão está
amparada em decisão desta Corte, no sentido de, se a lei não exige o prévio
registro (...), não há como compelir a autoridade do Detran a proceder como
quer a recorrente", afirmou. Ao deferir o pedido de suspensão, o
ministro observou, ainda, risco na demora.. "A imediata execução da
decisão que concedeu a segurança lesará o interesse público
consubstanciado na obrigatoriedade de duplo registro, trazendo as conseqüências
já prenunciadas, além de afrontar princípio norteador da Administração Pública,
que só pode ser obrigada a fazer o que determina a lei, causando, via de
conseqüência, lesão à ordem pública administrativa", concluiu o
ministro Edson Vidigal. terça-feira, 30 de agosto de 2005
Fiador
não responde por dívidas resultantes de aditamento de contrato de aluguel
Em contratos de aluguel, o fiador não
responde por obrigações resultantes de aditamento ocorrido sem a sua anuência
expressa, mesmo que haja cláusula prevendo a obrigação até a entrega das
chaves. A decisão é da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao dar
provimento a recurso de Sebastião Cardoso e esposa, de Minas Gerais.
O locador do imóvel entrou na Justiça com uma ação de cobrança contra o
casal que respondia pela fiança, pretendendo receber aluguéis que não foram
pagos pelo locatário. Em sua defesa, o casal afirmou que não poderia ser
responsabilizado pelo pagamento de aluguéis após longo tempo decorrente do
prazo estipulado para seu vencimento e do termo da fiança.
Em primeira instância, a ação de cobrança foi julgada improcedente, tendo
o juiz considerado "não prorrogada a fiança passada no contrato
assinado por prazo determinado, a que se sucederam anos de prorrogação".
Segundo o juiz, o fiador estaria, portanto, desobrigado do pagamento dos aluguéis
atrasados. O locador apelou.
Após examinar o caso, o Tribunal de Alçada de Minas Gerais deu provimento à
apelação, para condenar o casal ao pagamento das importâncias reclamadas.
Embargos infringentes (tipo de recurso que visa fazer prevalecer o voto que
ficou vencido) foram interpostos pelo casal, mas foram rejeitados, ficando
mantida a decisão.
No recurso para o STJ, a defesa do casal alegou, entre outras coisas, ofensa
aos artigos 1.003, 1.006 e 1.483 do Código Civil de 1.916. Segundo sustentou
o advogado, eles não poderiam se obrigar pelos débitos referentes ao período
posterior à prorrogação do contrato de locação, com o qual não teriam
anuído expressamente.
O recurso foi provido. Para o ministro Arnaldo Esteves Lima, relator do
processo, o fiador deve responder pelos encargos decorrentes do contrato de
locação tão-somente pelo período inicialmente determinado, ainda que
exista cláusula estendendo a sua obrigação até a entrega das chaves.
O relator explicou que o contrato acessório de fiança obedece à forma
escrita, é consensual, deve ser interpretado restritivamente e no sentido
mais favorável ao fiador. "Assim, a prorrogação por tempo
indeterminado do contrato de locação, compulsória ou voluntária, desobriga
o fiador que não anuiu", acrescentou. "Ante o exposto, conheço do
recurso especial e dou-lhe provimento para restabelecer os efeitos da sentença",
concluiu o ministro Arnaldo Esteves. A decisão foi unânime. segunda-feira, 29 de agosto de 2005
É
possível alteração de regime de bens para casamentos anteriores ao novo Código
Civil
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça
(STJ), em decisão unânime, julgou possível a alteração do regime de bens
de casamentos contraídos antes da vigência do novo Código Civil brasileiro.
O recurso era de um casal que, em 1995, havia adotado o regime de comunhão
parcial e queria agora, em fevereiro de 2003, passar ao de separação total.
A primeira instância negou o pedido, sustentando que o artigo 2.039 do novo Código
Civil explicitamente afirma que "os regimes de bens nos casamentos
celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei 3.071, de 1o de janeiro
de 1916, é o por ele estabelecido". O casal alegava também que havia
solicitado ao cartório, quando do casamento, a elaboração de pacto
antenupcial com a previsão do regime de separação de bens, o que não foi
realizado por erro, restando lavrada a escritura com a adoção do regime de
comunhão parcial de bens. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais
(TJ-MG) negou a apelação do casal nos mesmos termos da sentença. Daí o
recurso especial ao STJ.
O ministro Jorge Scartezzini, relator do recurso na Quarta Turma, explicou que
o Código Civil de 1916 realmente impedia a alteração do regime de bens
escolhido pelos que se casam, exceto em alguns casos excepcionais, sendo
irrevogável durante a vigência do casamento.
No entanto, afirmou o relator, o novo Código Civil, de 2002, inovou,
dispondo, em seu artigo 1.639, ser "admissível a alteração do regime
de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges,
apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de
terceiros".
"Por outro lado", acrescentou o ministro Jorge Scartezzini,
"editou-se, também, o artigo 2.039, ora focado, localizado no Livro
Complementar das Disposições Finais e Transitórias, o qual determinou,
quanto ao regime de bens dos casamentos celebrados anteriormente à vigência
do novo Estatuto, que se aplicassem as regras do antigo Código."
Correntes doutrinárias
O ministro esclareceu ainda que as instâncias ordinárias, seguindo parte dos
doutrinadores nacionais, adotaram uma orientação "literalista" ou
"textualista"da norma, pressupondo que a permissão de alteração
do regime de bens é cabível apenas aos casamentos ocorridos após a entrada
em vigor do novo Código Civil. Essa interpretação se fundamentaria no
respeito ao ato jurídico perfeito consagrado pela Constituição Federal, que
forçaria a manutenção do pacto relativo ao regime de bens.
Para essa corrente doutrinária, o artigo do novo Código Civil que afirma
serem os casamentos realizados antes de sua vigência regidos pelo Código
anterior se aplicaria não só às regras específicas, que tratam de cada um
dos aspectos peculiares dos regimes, mas também às regras gerais, como as
que prevêem a responsabilidade do marido ante a esposa e herdeiros em se
tratando de rendimento comum.
Por outro lado, continua o relator, nomes de relevo na doutrina brasileira
defendem a possibilidade de alteração do regime de bens com relação a
casamentos ocorridos antes do novo Estatuto Civil, desde que ressalvados os
direitos de terceiros e apuradas as razões invocadas pelos cônjuges para tal
pedido.
"Isso porque [...] o artigo 2.039 do CC/2002, ao dispor que o regime de
bens quanto aos casamentos celebrados na vigência do CC/1916, ‘é o por ele
estabelecido’, estaria determinando a incidência da legislação civil
anterior exclusivamente no tocante às regras especificas a cada um dos
regimes matrimoniais [...], alusivas aos aspectos peculiares dos regimes da
comunhão universal e parcial e da separação de bens, do regime dotal e das
doações antenupciais", esclareceu o ministro Jorge Scartezzini.
Como a permissão de alteração de regime é norma geral relativa aos
direitos patrimoniais dos cônjuges, incidiria, no entendimento do ministro,
seguido unanimemente pela Quarta Turma, imediatamente, inclusive aos
casamentos realizados sob a vigência do Código Civil de 1916.
Tal entendimento seria reforçado por outro artigo do novo Código, o artigo
2035, que trata dos efeitos futuros de contratos de bens em vigência quando
de sua entrada em vigor, por ser norma geral de efeito imediato: "A
validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da
entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores,
referidas no artigo 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência
deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista
pelas partes determinada forma de execução".
Retroatividade da lei nova
O relator ressaltou que não se confunde o efeito imediato da nova norma à
retroatividade genérica das leis. No caso, a nova legislação a ser
imediatamente aplicada não atinge os fatos anteriores a ela, nem os efeitos
consumados de tais fatos; mas incide nos fatos ocorridos após sua vigência,
e também nos efeitos futuros – ocorridos já na sua vigência – dos fatos
ocorridos antes de entrar em vigor.
Dessa forma, os bens adquiridos antes da decisão que eventualmente autorizar
a alteração de regime permanecem sob as regras do pacto de bens anterior,
vigorando o novo regime sobre os bens e negócios jurídicos comprados e
realizados após a autorização.
O ministro Jorge Scartezzini concluiu afirmando que impedir a possibilidade de
alteração do regime de bens para casamentos realizados sob o antigo Código
Civil seria uma maneira de, ignorando a necessária interpretação legal
teleológica em atenção aos fins sociais e às exigências do bem comum,
incentivar a fraude, na medida em que se estimularia o divórcio de casais
apenas para poderem mudar o regime de bens contraído inicialmente em um novo
casamento formal.
20.05.2006 |