ADOÇÃO POR ASCENDENTES |
ZENO
VELOSO
Jurista
Getúlio já tinha mais de 35 anos quando se casou com Mariana, de 17
anos, considerada, com muita justiça, a mais linda adolescente daquela
passagem, no subúrbio de Belém. Logo depois nasceu a filha do casal, que
recebeu o formoso nome de Janaína, em homenagem à sua madrinha. Getúlio
ganhava muito pouco, numa repartição municipal, e fazia milagres para
sustentar a família. Pelo menos, não pagava aluguel, pois o barraco, na
baixada, foi construído por ele mesmo, com madeira doada por um candidato a
vereador. Era um homem pobre, extremamente honesto, seu sonho era progredir,
ganhar mais, comprar uma casa de alvenaria, dar mais conforto à mulher e à
filha. Mas tinha estudado muito pouco, pois, desde menino, trabalhava nas
ruas, vendia amendoim e unhas de caranguejo, que eram feitas por uma vizinha,
dona Ió, cozinheira famosa. Não obstante, gostava de ler. Vivia com um livro
nas mãos e sob os olhos. Era fã de Machado de Assis e apanhou algumas obras
deste autor na biblioteca da escola em que sua filha estudava. Janaína foi crescendo,
crescendo e, aos 16 anos, era um broto fenomenal (como se dizia
antigamente). Sem nenhum enchimento ou recurso artificial, tudo nela,
vindo ou indo, era exuberante. E uma 'brasa', para lembrar expressão de
Roberto Carlos. Namorava um rapaz que vivia ali pertinho, pobre como ela,
mas passou-o para trás, desde que, passeando no Museu, conheceu Ruy Antônio,
garoto moderno, envolvente, de classe média, que tinha até automóvel, e
morava num bairro elegante. Em pouco tempo de namoro, primeiro no banco de
trás do automóvel, depois em motéis, Janaína conheceu todos os
segredos - e os prazeres - do sexo. Uma vez, ela perguntou ao rapaz: 'Por
que não usamos camisinha?'. E ele, cínico, respondeu: 'Porque a religião
proíbe e, acima disso, porque quem ama, confia'. Não se falou mais nesse
antipático assunto, e a vida foi seguindo o seu rumo. O pai de Janaína, nessa
altura um homem amadurecido, com mais de 50 anos, concluiu que de nada
adiantavam seus conselhos, advertências, apelos, nem, muito menos,
castigos físicos. A menina estava perdidamente envolvida, empolgada,
apaixonada, e quem se encontra nessa situação, moço ou velho, perde o
siso, perde a linha, perde o rumo. Além do mais, Getúlio tinha lido 'Dom
Casmurro' e conhecia a história de Capitu. Como esta, Janaína tinha
'olhos que o diabo lhe deu', assim como os 'de uma cigana oblíqua e
dissimulada'. Aliás, Getúlio não duvidava de que Capitu traiu o marido,
Bentinho, com Escobar, 'muy amigo' dele. Getúlio achava que a sua Janaína
era a cara de Capitu. Dois fatos absolutamente previsíveis aconteceram rapidamente: Janaína ficou grávida e deu à luz a um menino, que se chama Juvenal (em homenagem ao personagem de Antônio Fagundes) e o namorado, Ruy Antônio, alegou que não era o pai, coisa nenhuma, acusou que a menina estava tentando dar o 'golpe da gravidez', e desapareceu de circulação, correndo o boato de que ele foi mandado pelos pais para São Paulo. Como pretendia receber benefícios, auxílios, orientada por uma amiga, Janaína fez o registro de nascimento de seu filho. No local destinado ao nome do pai, não constou nada, apenas alguns asteriscos, em forma de estrelinhas, assim: ******. Getúlio via com profunda
tristeza, literalmente consternado, a decadência, a infelicidade da
filha. Alguém lhe disse, na repartição, que ele e a mulher deviam ter
tomado a iniciativa e registrado a criança no nome deles, como se fossem
os pais biológicos, no que se chama 'adoção à brasileira'. Com essa
providência, o menino teria um registro em que constariam os nomes de
ambos os genitores, seria dependente de Getúlio, teria direito à assistência
médica, pensão, etc. Mas, como a mãe já havia feito o registro,
disseram-lhe, só tinha um jeito: os avós - Getúlio e Mariana - deviam
adotar o pequeno Juvenal. Outrora, isso era possível, e foi, aliás, muito utilizada essa saída, em casos semelhantes. Hoje, porém, a adoção de crianças e de adolescentes não pode ser feita pelos ascendentes (avós, bisavós), nem pelos irmãos do adotando, e essa proibição expressa consta no art. 42, § 1º, da Lei nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente.
17.10.2008 |
Fonte: Jornal "O Liberal" - edição 10.05.2008 |
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